sábado, 13 de setembro de 2014

“A sorte de Jó”

A história de Jó é enigmática mas contém lições

O livro de Jó na Bíblia é para muitos leitores um tanto enigmático. Se tomado ao pé da letra até parece que Deus e o diabo às vezes se encontram para determinar a sorte dos humanos, fazendo acordos que mais parecem apostas.
O livro de Jó foi incluído no rol bíblico como uma lição ao povo israelita. Ele é um épico sem correlação com tempo ou ocasião de ocorrência. Livros desse tipo serviram para ensinar ao povo as crenças ou “verdades” em voga na época. Livros de Jó (aprox. 450 - 400AC) e Jonas (aprox. 510 – 380AC) foram escritos durante a mesma época após o retorno dos  Israelitas do exílio da Babilônia. Era época do povo reaprender as tradições vigentes de antes do exílio a respeito dos poderes de seu Deus. No entanto, junto com os ensinamentos práticos entraram no relato também ficções e crendices populares.

O relato poderia ser transformado numa peça de teatro tal força da reação dos personagens. O protagonista principal, Jó, era homem muito rico de bens e filhos; era homem temente a Deus e cumpria com os votos tradicionais entre o povo. A parte ficcional do livro começa com o encontro de satanás com Deus, o Senhor (Ver Jó, 1:6). Num certo dia em que os “servidores celestiais” vieram à presença do Senhor (parece um dia marcado no céu, mas como satanás ficou sabendo? Pura ficção) o capeta também vai e Deus não o expulsa, mas conversa com ele num tom muito amigável (“Viste meu servo Jó; cara legal!” teria dito Deus.”É só porque tu deste toda aquela riqueza a ele!. Tira o que ele tem e vais ver como ele amaldiçoará”. O diabo sempre aprontando!).
Não podemos confundir o relato com a realidade. Nele há tantos conceitos errôneos (desprezíveis até) a respeito do bom Deus a Quem todos devemos amar (e de fato amamos) tais como: que Deus e o diabo coexistam; que façam jogo sobre o comportamento de um ser humano;que  Deus dê e tire bens; faça com que o homem justo tenha perdas e danos de entes queridos, e o faça sem qualquer consideração da fidelidade do filho; que Deus concorde com proposta de satanás; este obtenha uma vitória de argumentação, etc... E há ainda a hipótese de satanás ter inteligência para argumentar com Deus; que tenha poder sobre o homem. Todas essas considerações contradizem o ensinamento trazido pelo Mestre Cristão alguns séculos após a história de Jó, ensinamentos que apresentam Deus como Pai amoroso, todo-poderoso, que não toma conhecimento do mal.

A perda de bens e filhos não foi suficiente para que Jó perdesse sua fidelidade a Deus. O diabo então obtém permissão de Deus (que sacrilégio pensar algo assim de Deus!) para afetar Jó na sua saúde com uma doença (furúnculos?) incurável na época. No auge de sua desventura Jó fica confuso e desesperado, mas continua reivindicando sua inocência, quando é aconselhado pela esposa e amigos a amaldiçoar a Deus e pedir para si morte, já que estava no fundo do poço. Amigos que vêm consolar a Jó, só põem mais “minhocas” na cabeça dele e quase o levam à perdição total.

As dúvidas de Jó são evocadas numa conversa com o Senhor a qual lhe possibilitou reconhecer o seu erro, sua condição humilde de servidor e a supremacia do Senhor. Também Jó se deteve de criticar seus amigos. Diz o relato: “Mudou Deus a sorte de Jó quando este orou por seus amigos” (Jó 42: 10). O relato se encerra com o personagem recebendo de volta mais filhos e bens do que tinha antes. Um final feliz, com intermédio doloroso!

Nesse final do livro está todo ensinamento útil para nós, no meu entender, nos dias atuais. Esse ensinamento de valor eterno e imutável nos diz que nossa sorte muda quando nos dispomos a orar por nossos amigos (e até inimigos) mesmo em meio a tempos difíceis ou dificuldades pessoais. Eles nem precisam ficar sabendo que estamos orando por eles, mas nós sabemos e isso muda nossa sorte. A disposição de orar pelos outros, de ajudá-los em seus problemas, abre nosso coração para o amor e isso abre a porta para bem em nossa experiência.

Tive oportunidade de aplicar o exemplo de Jó numa situação particular, há pouco tempo. Moro num apartamento que tem do outro lado da rua uma pequena praça que nas noites de verão é tomada de jovens até altas horas da madrugada. O resultado dessas noitadas de “papo” juvenil é um conteiner cheio de latas vazias (de cerveja?) espalhadas pela praça. Algo desagradável de ver. Bem, quando os vi naquela madrugada de pouco sono minha primeira reação foi crítica. Depois me redimi e mudei minha atitude e passei a orar pelos jovens incluindo-os num amplexo de amor que é extensivo a toda a humanidade. Ou seja não os excluí de meu amor pela humanidade. Depois disso pude dormir calmamente.


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