O livro dos Atos dos Apóstolos relata as atividades dos
primitivos Cristãos e sua organização como igreja, a do cristianismo primitivo
baseado em obras de fé. O livro mencionado traz muitas realizações dos apóstolos,
mas detalha o trabalho de Pedro e Paulo. O primeiro conviveu com Jesus Cristo e
testemunhou pessoalmente as grandiosas obras do seu ministério. Aprendeu com
seu Mestre algumas lições que lhe pareceram duras e penosas por causa de
conceitos empedernidos que precisava deixar para trás. Aprendeu duramente, mas
aprendeu. Tanto que ele mesmo protagonizou no seu trabalho apostolar, momentos
de grande repercussão entre a população.
Uma das curas efetuadas me chama
muito a atenção e me faz pensar de como seria a cena hoje em dia. O capítulo 3
dos Atos relata que, na cidade de Jerusalém, um coxo de nascença era levado à
porta do templo para obter seu sustento com as esmolas dos que freqüentavam a
Casa de Deus. Pedro e João, como de costume, foram ao templo a fim de orar. Ao
serem abordados pelo homem coxo, desenvolveu-se entre eles um diálogo sem
precedentes cujo desfecho foi a cura do aleijado. Uma cura tão radical e rápida
que causou um alvoroço entre os que a presenciaram.
A porta do templo junto à qual
ocorreu o incidente, era chamada de Formosa por causa dos maravilhosos entalhes
que continha. Uma verdadeira obra-de-arte. Provavelmente era a entrada
principal, por onde passava a maioria das pessoas. Um ponto estratégico para
quem desejasse contato visual com os passantes. O coxo esmolava ali, contando
com a compaixão e bondade das pessoas de bem que iam buscar inspiração ou
purificação. O nome dele não é conhecido. Poderia ser qualquer um. Isto pode
ser visto como se ele representasse um homem genérico de qualquer época,
inclusive hoje; por exemplo, você, eu, nós, eles.
Os apóstolos foram abordados também,
mas não tinham nenhum “trocado” para o pobre sofredor, cujas enormes
necessidades humanas eram supridas pelos poucos recursos conseguidos com as
doações. Logicamente esperava de Pedro ou de João algo de bom. Expectativa essa
que foi aguçada pelas palavras de Pedro: “Olha
para nós”. Será que Pedro se lembrou de quando andara por sobre o mar
enquanto olhava para Jesus, e que tivera problemas ao desviar dele o olhar?
Pedro queria que o pedinte olhasse para ele, deixando de olhar em redor, de
reparar na opulência dos outros em contraste com sua miserável situação, e
parasse de encolher-se: “Coitadinho de mim!”
“Ele
olhou para eles, esperando receber alguma coisa” diz o relato. Ele prestou
atenção ao apóstolo na expectativa de receber algo de bom. Mas a resposta de
Pedro poderia ter sido frustrante se terminasse na primeira parte: “Não tenho prata nem ouro”. Não era por
isso que o homem esmolava? Por esmolas, moedas de prata ou ouro? E se o
apóstolo tivesse algum dinheiro no bolso, será que teria dado algo ao mendigo
para sentir-se socialmente realizado por ter “ajudado” um pobre? Pedro não
tinha riquezas deste mundo, mas era rico em espiritualidade, e estava disposto
a compartilhar seu tesouro com aquele ser humano, rico em necessidades. O
apóstolo pode ter discernido no olhar do
coxo um fio de esperança, uma débil aceitação de valores espirituais. Será que
o coxo de nascença não teria ouvido das curas realizadas pelo Nazareno que
havia poucos anos fora crucificado e ressuscitara dentre os mortos? Ele era
contemporâneo de Jesus em Jerusalém, mas talvez não tivera a oportunidade ou a
coragem de ir pessoalmente pedir ajuda a Ele. O esmoleiro não conhecia Pedro
nem João; não fazia a mínima idéia do que podia vir desses irmãos. Mas havia no
ar uma certa expectativa diferente, um clima que nunca pintara nas relações do
pedinte com seus doadores.
“O
que tenho, isso te dou”, continuou Pedro. Chama-me a atenção que ele não disse:
“Do que tenho”, mas “o que tenho”. Sua disposição não era dar um pouco
do que tinha, mas dar tudo o que tinha. Pensando
quantitativamente a proposta de Pedro parece mal formulada. Mas espiritualmente
estava correta. Os tesouros ou os bens materiais são vistos em quantidades:
“Tanto disso, tanto daquilo, tanto para mim, tanto para ti”. Entretanto o
tesouro espiritual é avaliado pela qualidade. Um pouco de amor, vale tanto como
todo amor. Um pouco de espiritualidade, vale tanto como toda espiritualidade.
Um pouco de bem espiritual, vale tanto como todo bem. Não há, pois,
quantidades; há, sim, qualidade. O tesouro do Espírito, a fonte de todo bem,
para ser infinito não pode conter quantidades, que em si são finitas e
limitadas. Se basearmos nossa vida nas quantidades testemunhadas pelo sentido
material, estaremos tentados a acreditar que o bem é limitado, ou que não temos
o necessário. Pedro tinha consciência disso,
e deu ao pobre todo seu amor, sua fé, sua compreensão espiritual. Mas
nem por isso ficou privado de gozar desses bens espirituais.
O apóstolo, com toda longanimidade
despejou seus tesouros de compreensão espiritual sobre o interlocutor, que já
não era visto como aleijado, pois, do contrário, não o poderia amar como filho
de Deus nem lhe dizer: “Em nome de Jesus
Cristo, o Nazareno, anda”. Que autoridade e fortaleza espirituais foram
demonstradas por Pedro nessa ordem! Isso ele aprendera com o Mestre e também
retratava a elevação espiritual alcançada apelo intrépido discípulo. Não muitos
anos antes ele havia dado uma resposta convincente à interpelação do Mestre: “Quem diz o povo ser o Filho do homem?” (Mat. 16: 13-16).
Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo”. Em nome desse Cristo do Deus vivo, Pedro pôde quebrar
o jugo escravizante que aquele homem sofrera desde seu nascimento. Agora ele
estava livre!
Diz o relato bíblico que Pedro “tomando-o pela mão direita, o levantou”.
Mão direita de Pedro ou do paciente? Aqui, novamente, o significado espiritual
é o importante. Pode-se dizer que o “lado forte” de Pedro tomou o “lado forte”
do enfermo. Ou seja, o Apóstolo com sua fé puxou para cima a fé do homem. A
Bíblia tem muitas referências ao poder infinito da “destra de Deus”. Vale dizer que Pedro expressou o poder de Deus
conscientemente, trazendo à luz o efeito regenerativo e fortalecedor desse
poder infinito na vida e na consciência dos homens. A ação de Pedro repetiu o
método de Cristo Jesus descrito por Mary Baker Eddy, século XIX, no livro Ciência
e Saúde com a Chave das Escrituras*: “Jesus
via na Ciência o homem perfeito, que lhe aparecia ali mesmo onde o homem mortal
e pecador aparece aos mortais. Nesse homem perfeito o Salvador via a própria
semelhança de Deus, e esse modo correto de ver o homem curava os doentes”
(pp. 476-7). Eu encaro essa declaração como uma regra de cura espiritual.
A parte impressionante aos olhos dos
mortais veio a seguir. Diz o relato que após Pedro tomar o homem pela mão
direita, “imediatamente seus pés e
tornozelos se firmaram; de um salto se pôs em pé, passou a andar...”. Para
alguém que nunca havia usado os pés e as pernas, poder andar era algo
indescritível.. Que sensação de liberdade! Não é de admirar
que o ex-coxo entrasse no templo “saltando
e louvando a Deus” (não a Pedro); não conseguia conter-se. Mas onde ficaram
as “leis” orgânicas que hoje afirmam categoricamente que um homem adulto coxo
de nascença precisaria, talvez, um ano ou mais de fisioterapia para poder
reforçar suficientemente os músculos e tendões a fim de sustentar um homem de pé.
Nem falo de andar e saltar. A cura deu-se imediatamente,
isto é, sem demora. Parece
impossível ao saber humano. No entanto, para o saber Divino, a Mente divina,
nada é impossível. Tanto que A força criadora do universo, que fez “homem e
mulher” à imagem e semelhança de Deus, portanto perfeitos e harmoniosos como o
Pai-Mãe, também mantém a criação no estado original. Se pode criar, pode manter
e regenerar! O poder para tanto reside na onipotência. “Tudo quanto Deus faz durará eternamente”, diz o sábio Salomão em
Eclesiastes (3:14). E segue: “nada se lhe
pode acrescentar e nada lhe tirar”. Isso tem lógica, pois se o que Deus
criou é bom, então por que mudar?
Diante de tal demonstração de poder
da fé na ação do Cristo, é natural a “admiração
e assombro” de que foi tomada a população. Hoje seria a mesma coisa. Não é
comum ver-se coxos ou paraplégicos saírem andando depois de alguém orar por
eles. Mas isso não quer dizer que seja impossível. O poder atuante no incidente
com Pedro e João, é exatamente o mesmo que atua hoje, pois é o poder do eterno
Deus, sempre bom e presente. Nossa tarefa é aprender a lançar mão desse
recurso, que só atua de acordo com a vontade de Deus, nunca da nossa. Não
adianta orar para o restabelecimento dos enfermos, desejando que o poder
infinito atue no sentido do resultado delineado por nós. Nossa oração deve
elevar nosso pensamento a Deus e deixar a ação aos cuidados da vontade de Deus.
Temos de deixar o Espírito agir, a Verdade corrigir o erro, o Amor divino
afastar o medo. Quando oramos o Pai-Nosso, não dizemos: “Faça-se a Tua vontade”? (Mat. 6:10). Pois sabendo que a vontade do
Pai é sempre para o bem, a saúde, a abundância, estaremos muito próximos de
vivenciá-los em nossa experiência humana.
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